Em busca de cosméticos mais seguros – Revista IstoÉ
Empresas brasileiras começam a investir na criação de produtos de beleza sem substâncias que poderiam fazer mal à saúde. Nos EUA, campanha luta por opções mais naturais
Luciani Gomes
Para cumprir a rotina diária de escovar os dentes, tomar banho e se arrumar para sair de casa, o brasileiro utiliza pelo menos dez cosméticos. A escolha dos produtos é geralmente guiada pela sugestão de amigos, orientação de parentes, anúncios publicitários ou confiança na marca. O que realmente importa ganha pouca atenção: as informações do rótulo. Essa leitura simples serviu como ponto de partida de um movimento que cresce nos Estados Unidos, a Campanha por Cosméticos Seguros. Ele defende o uso de menos componentes químicos e maior presença de ingredientes orgânicos nas fórmulas. Formado por uma coalizão de organizações ligadas a mulheres, saúde pública, trabalho, meio ambiente e direito dos consumidores, o grupo usa estudos científicos para denunciar que algumas substâncias utilizadas na fabricação de grande parte dos cosméticos são tóxicas, podendo causar disfunções hormonais, problemas no desenvolvimento e até câncer, se utilizadas em grandes quantidades. “Queremos convencer os políticos a criar novas leis sobre os cosméticos”, disse à ISTOÉ Stacy Malkan, a cofundadora do movimento.
Um dos livros que servem para difundir as metas da campanha americana teve como causa indireta um recurso estético criado no Brasil. O desejo de ter os cabelos lisos e brilhantes levou as jornalistas americanas Alexandra Spunt e Siobhan O’Connor a experimentar a escova progressiva, tratamento capilar que virou febre por aqui e chegou até os Estados Unidos. Sentadas num salão de beleza de Los Angeles, com os olhos lacrimejantes e uma estranha ardência na garganta, elas desconfiaram do tratamento e foram procurar mais detalhes na internet. A confirmação de que não era a queratina o segredo por trás dos cabelos perfeitos, mas sim o formaldeído (formol), deixou-as revoltadas.
ESCOLHA
Isabel só usa blush, sombras e batons com composição mais leve
Alexandra e Siobhan fizeram uma extensa pesquisa sobre os componentes químicos dos cosméticos que tinham em casa. Depois, entrevistaram especialistas, a agência que regula a indústria da beleza no país, maquiadores e toxicologistas e descobriram que muitos dos produtos que adoravam e nos quais confiavam também tinham componentes considerados controversos. Este ano, lançaram nos EUA o livro “No More Dirty Looks” (numa tradução livre, Visual poluído nunca mais), em que compartilham seus achados. “Nos demos conta de que, assim como nós não sabíamos, a maior parte das mulheres provavelmente não saberia também”, disse Siobhan à ISTOÉ. Elas deixam claro no livro que não têm a pretensão de fazer ninguém jogar fora aquele batom preferido ou desistir das luzes no cabelo. O objetivo é ajudar as consumidoras a minimizar os riscos e a fazer escolhas mais inteligentes. “Encorajamos as mulheres a se familiarizar com as listas de ingredientes e conferir os rótulos”, complementa Siobhan.
Tanto a Campanha por Cosméticos Seguros quanto o livro das jornalistas americanas alertam para o risco de substâncias como parabeno, 1,4 dioxano, oxibenzeno, ftalatos, tolueno e formaldeído, entre outros. Em geral, de acordo com os responsáveis pelo movimento americano, essas substâncias estão associadas a problemas que vão desde câncer até disfunção hormonal.
REAÇÕES
Marina tem crises desde a adolescência. Por causa disso,
procura opções reconhecidamente antialérgicas
No Brasil, o debate está apenas começando. Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as fórmulas comercializadas estão sob controle. “Muito se especula acerca de diversos componentes cosméticos e sua segurança, porém sem nenhum fundamento científico ou afirmação plausível”, garante o órgão, em nota. Segundo a agência, compostos como o oxibenzeno e os parabenos são aprovados em diversos países, que os consideram seguros desde que respeitada a concentração-limite de uso. O 1,4 dioxano é proibido no Brasil. O tolueno e o formaldeído são encontrados em quantidades muito pequenas na maioria dos esmaltes à venda. Mesmo assim, são os principais responsáveis pelos casos de alergia ao produto.
Entre os médicos, as posições estão divididas. Há, por exemplo, especialistas que não concordam com o movimento americano. “A indústria de cosméticos conseguiu até hoje provar às autoridades sanitárias mundiais que essas substâncias, como são usadas atualmente, não oferecem riscos”, afirma Daniel Barreto, professor de farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “A quantidade é a chave da questão”, argumenta. Já o cosmetólogo Mauricio Pupo, de Campinas, concorda com a lista de produtos que está sendo alvo de críticas nos EUA. “Temos, sim, vários ingredientes que podem trazer risco para a saúde”, afirma. O geriatra José de Felippe Junior, presidente da Associação Brasileira de Medicina Biomolecular, concorda. Ele cita estudos que identificam o parabeno, por exemplo, cujo uso é permitido no Brasil, como um dos elementos encontrados em células de câncer de mama.
O médico é um dos que estão envolvidos em ações que começam a surgir no País para tornar os produtos mais seguros. Como representante da Associação de Medicina Biomolecular, ele está trabalhando para que a Anvisa proíba o uso do parabeno no País. Do outro lado, as próprias indústrias começam a tomar medidas no mesmo sentido. A Natura, por exemplo, já começou a retirar o parabeno de suas fórmulas e deve extingui-lo completamente do processo de produção até o fim do ano. O Boticário não utiliza o componente oxibenzeno em seus produtos e a empresa Jequiti não o usa em seus protetores solares. Boticário, Natura, Avon e Contém 1g são algumas marcas que possuem linhas de maquiagens minerais – livres de talcos, óleos, ceras ou fragrâncias agressivas à pele.
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No Rio de Janeiro, a carioca Isabel Saraiva, 25 anos, só aliviou o problema ao recorrer a um tratamento natural na clínica estética Oligoflora e passar a usar maquiagens de composição mais leve. “Com produtos químicos, a pele ficava muito irritada.” Em São Paulo, a empresária Marina Domingues, 28 anos, sofre com crises alérgicas desde a adolescência e agora escolhe o que usa com cuidado – no momento, procura produtos da Clinique. “Se não fizer isso, sei que terei problemas”, conta.